segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Foto tirado por Marcia, uma colega da faculdade no evento pedagógico


Transmição de Saberes


Processo de indagações e avaliações na Associação Cultural Artística de Anápolis-ACAA

Avaliação


O processo de intervenção artístico pedagógico que realizei na verdade trata-se de um longo projeto de resgate do Patrimônio Cultural Imaterial e Material na cidade de Anápolis. Este projeto é um Ponto de Cultura contemplado com recursos financeiros do Ministério da Cultura que começou a alguns meses atrás e irá além dessa proposta da disciplina de Estágio III. Este ensaio trata-se de uma intervenção e integração que realizei buscando quebrar a barreira entre Universidade e Sociedade. Dentre os vários objetivos, um deles é levar ao universo acadêmico um pouco do trabalho e memórias das Senhoras Tecelãs e Fiandeiras. Desde já é preciso falar que ao meu ver os muros da Escola esteve invisível uma fez que atores, muitas vezes analfabetos, tiveram a oportunidade de mostrar a comunidade acadêmica, através de meu trabalho na disciplina, um pouco dos Saberes e Fazeres do universo da cultura popular.
Esta bricolagem entre erudito/popular foi por décadas discutidas por diversos teóricos tais como Levy-Straus, Geertz e Roque Laraia. Se para esses teóricos o abismo a dicotomia entre o popular e o erudito não mais existe, há na contemporaneidade um desfoque total do que seja a teoria e a pratica. Até onde nós, arte/educadores, defendemos ou apontamos tais “culturas”?
Por culturas
“podemos dizer sem prejuízo que é o modo de viver dos povos, cada código, cada saber e fazer é próprio grupo/sociedade” (Cultura um Conceito Antropológico – Roque Laraia)

A ação foi realizada e contei com a participação das Fiandeiras, Tecelãs, Violeiros e Catireiros, pessoas envolvidas no palco cultural de Anápolis bem como artistas e alunas do curso. Atores de um processo de resgate do Patrimônio não esquecendo das Memórias de Velho ( Ecleia Bosi, 2002) que mantém “vivo” o aspecto do saber fazer na tecelagem artesanal. São objetivos que visa melhor conhecimento da diversidade e riqueza cultural. Entre eles estão a redução dos impactos negativos causados pelo desconhecimento dos bens culturais, contribuindo para atitudes de valorização e preservação desses bens e melhorar visualmente o local escolhido, valorizar e enriquecer a poética antes não percebida, mostrar as relações entre a materialidade e a imaterialidade do saber fazer técnico e o “saber” poético, um saber que transcende a mera artesania e é conceitualmente uma manifestação da arte popular riquíssima. A necessidade de trabalhos como este é uma realidade tão séria no século XXI, que o Minc tem disponibilizado recursos para os que desejam e tem o que re-passar para próximas gerações tais herança culturais.
Feito o projeto, pesquisa etnográfica que foi feito filmando cada depoimentos e ação, me vi no meio de outro desafio que é avaliar os impactos causados nas pessoas e também em mim. Segundo Paulo Freire, é preciso educar com amor, com determinação de querer um mundo menos desigual. Já Ana Mae em sua teoria Triangular diz que precisamos Contextualizar (ver, fazer e contextualizar), e também Dewey quando ele diz devemos “Compreender a arte, em termos de experiências de vida” logo, minha ação pedagógica foi fundamentada numa integração com esses três pensadores e educadores . O aprendizado das pessoas é impar ao participar da feitura de um tecido numa técnica quase extinta pela indústria têxtil e suas tecnologias. Pode mostrar aos atores envolvidos na ação que esse “fazer” Transcende o gigante hegemônico que prega a técnica como obsoleta, em plena era dos tecidos de náilon, malhas e tantos outros elaborados com o alto padrão tecnológico industrial.
A partir desse pensamento educador, partimos também por divagar por caminhos artísticos, a estética dos tecidos artesanais são embasadas na historia das artes e da culturas. É por isso que ressalto a importância de oficinas e familiaridade com a historia da arte. Embora essa seja uma difícil tarefa. Neste sentido, minha ação dialogou poeticamente com o artista contemporâneo Leonilson, um nordestino, filho de costureira que entra no universo das artes eruditas pelo o mesmo caminho de meu projeto: os tecidos, os bordados ou seja, ele “passou” pelo universo das artes populares, antes de se ver em NY com Os Pescadores de Palavras . Foi ali aprendendo a costurar com sua mãe que Leonilson aprendeu a bordar e criar arte com tecidos e linhas. Seus trabalhos são autobiográficos. Seus bordados tem características artesanais em suporte de tecido.
No dialogo entre Fiandeiras, Paulo Freire, Ana Mae, Leonilson e tantos outros teóricos tive a certeza de que o projeto não para por aqui. Espero que o trabalho de conscientização da preservação patrimonial um trabalho de “formigas”e executados por todos que pretendente alcançar o tal sonhado futuro.


Referencias Bibliográficas:
Material didático
http://www2.uol.com.br/leonilson/
Cultura - Um Conceito Antropologico - Roque Laraia
Levy-Straus, Cru e o Cozido, 1998

Endereço da interface do Blog da Ação Pedagógica

http://curtindoaarte.blogspot.com/

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

CONVITE PARA PARTICIPAREM DA AÇÃO PEDAGÓGICA Culturando Saberes Populares


Ação Pedagógica
Dia 27/11/2010
à partir das 10:00h com intervalo para o almoço caipira.

Importante palestra sobre a Cultura Popular e a Educação e o Papel da Escola enquanto Produtora de Cultura.
Na ocasião estaremos apresentando vários vídeos de depoimentos captados durante a Pesquisa Etnográfica feita na região para a Disciplina Estágio SupervisionadoIII.
Espaço aberto para colegas apresentarem trabalhos , vídeos etc. Favor confirmar no telefône (62)3702 7695

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sobre felicidade....

Felicidade clandestina
Clarice Lispector


Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade". Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia. Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte"com ela ia se repetir com meu coração batendo. E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados. Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer. Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.


Obs: Um dos contos do livro Felicidade Clandestina da Clarice